O catálogo sobre cultura material africana e indígena em Minas Gerais reúne as pesquisas desenvolvidas pelos investigadores do subgrupo de Cultura Material, do Projeto “Passados Presentes”. A obra evidencia a riqueza e diversidade da cultura material no estado, destacando elementos como os Tambores de Oliveira, o Culto a Anastácia e suas recriações contemporâneas, a bola de pêlo de boi da casa de Mãe Ana, as cerâmicas de origem negra da casa de Chica da Silva, os obis e suas múltiplas interpretações no contexto de consulta aos orixás do Candomblé, além das Cantigas de Santo Antônio que remetem ao Congo e Angola, fundamentais nos rituais da Umbanda no Brasil.
A cultura material refere-se aos objetos físicos criados, bem como músicas, utilizados e valorizados pelas sociedades, refletindo suas práticas, crenças e identidades. Este tipo de fonte permite uma compreensão mais profunda das tradições e interações culturais, abordando aspectos que fontes escritas muitas vezes não capturam, como técnicas artesanais, simbolismos visuais e usos cotidianos dos objetos. Ao explorar a cultura material, o catálogo oferece uma perspectiva enriquecida e multidimensional das influências africanas e indígenas em Minas Gerais, promovendo um diálogo entre passado e presente e valorizando a herança cultural que molda a identidade regional
Mais do que um simples registro acadêmico, nosso catálogo nasceu do vontade de criar uma ferramenta viva, capaz de reunir pesquisas, memórias e experimentações, e do desejo coletivo de materializar novas formas de compartilhar conhecimento, rompendo com os limites da produção intelectual tradicional. Ao longo do processo, o grupo teve a oportunidade de aprender com detentores de saberes tradicionais, que nos ensinaram outras formas de ver, compreender e se relacionar com o mundo. Esses diálogos nos permitiram sonhar coletivamente com uma nova maneira de interpretar o passado, especialmente no que diz respeito às relações entre comunidades afro-brasileiras e indígenas, tanto no plano sagrado quanto no mundo material.
Sendo assim, o catálogo que apresentamos busca oferecer uma perspectiva multidimensional sobre essas influências em Minas Gerais, articulando saberes ancestrais, pesquisas acadêmicas e intervenções culturais. Entre as experiências que compuseram esse percurso, destacam-se as oficinas culturais abertas à comunidade, que se tornaram espaços privilegiados de troca intergeracional, e as gravações das Cantigas de Exu Santo Antônio realizadas na Associação Afro Ancestral e Terreiro Caboclo Pedra Branca, sob a liderança da detentora Mãe Ana Maria de Iansã. Já em Oliveira, as atividades de registro arqueológico permitiram identificar estruturas, artefatos e paisagens ligadas à ocupação afro-indígena na região, incluindo a localização do sítio conhecido como “Muro de Pedras da Fazenda Diamante”, trabalho realizado em parceria com a Capitã Pedrina de Lourdes Santos – Seji Danjy Dya Hongolo, Capitã de Massambike e zeladora de Umbanda.
Nosso objetivo é que ele funcione como uma porta de acesso a referências de um passado que ainda permanece ofuscado na história oficial, contribuindo para a valorização de saberes marginalizados e para a construção de novas narrativas. Esperamos que as páginas a seguir ajudem a inspirar futuras pesquisas, ações comunitárias e, principalmente, a manter viva a memória daqueles que, com suas lutas e existências, moldaram o presente que hoje compartilhamos.