Verbete: Sítio Arqueológico Casa da Chica da Silva

Por: Paulo Andrade Campos


HISTÓRICO:


O início da ocupação europeia do território do Tejuco, atual Diamantina, iniciou-se a partir de 1713 com a identificação de diamantes na região, sendo incorporado no ano de 1734 ao Distrito Diamantino que incluía também os arraiais e povoados de Milho Verde, Gouveia, São Gonçalo, , Chapada, Rio Manso, Picada e Pé do Morro. A pesquisadora Júnia Furtado (2001) indica que a sociedade diamantinense era composta por uma grande camada de escravizados africanos, responsáveis pela produção da riqueza local, com foco na mineração, provenientes de distintas regiões do continente africano, tal como a Costa da Mina, Costa do Ouro, Costa dos escravos – na África Ocidental – e Congo e Angola – na África Central. Nesse período, Diamantina era governada por uma pequena classe dominante branca -, a maioria de portugueses que tinham postos administrativos e militares, existindo poucas possibilidades de mobilidade social para a população negra, pobre e escravizada (FURTADO, 2001). Apesar disso, a documentação histórica dos séculos XVIII e XIX, disponíveis nos arquivos públicos, demonstram que algumas pessoas alforriadas conseguiram, em certa medida, acumular riquezas e desenvolver atividades econômicas no arraial do Tejuco, sendo o caso da Chica da Silva o mais conhecido no Brasil, por meio de produções literárias e audiovisuais. A historiadora Júnia Furtado (2003), realizou um extenso levantamento documental sobre o período no qual viveu Chica da Silva em Diamantina, identificando inventários, matrículas de escravizados, cartas de alforria, batismos, entre outras fontes que permitiram uma reconstituição das redes de relação de Chica e de parte da sociabilidade da população diamantinense da época. A casa no centro do antigo arraial onde Chica da Silva viveu com o comendador de diamantes – João Fernandes de Oliveira – entre os anos de 1763 e 1771, foi alvo de atividades arqueológicas entre os anos de 2011 e 2014, sendo coletados no quintal do casarão mais de vinte mil vestígios arqueológicos, dentre eles, fragmentos de faianças portuguesas, faianças inglesas, porcelana, além de cachimbos e vasilhames de barro, estes últimos relacionados à produção e utilização pela população negra da região (MACEDO, 2013).

Casa Chica da Silva. Diamantina. Fonte: https://www.minasgerais.com.br/pt/atracoes/diamantina/cultura/casa-de-chica-da-silva

Júnia Furtado (2003) identifica em sua pesquisa pelo menos 104 escravizados pertencentes a Chica da Silva entre 1754 e 1796, sendo conhecida a origem de 33 deles, dos quais 21 eram africanos pertencentes a diferentes etnias ou nações, tanto da África Centro-Oriental quanto da África Central. Nesse sentido, a pesquisa arqueológica, ao identificar itens do cotidiano dessas pessoas, traz informações complementares sobre a sociabilidade da população negra e escravizada que habitou o casarão na mesma época que Chica da Silva. A presença de vasilhames cerâmicos, com indicativos de produção local e decorações incisas, identificadas em outros sítios afro diaspóricos no Brasil, demonstra mecanismos de resistência e reprodução de um arcabouço cultural da população negra a partir de atividades que envolviam a produção alimentar (CAMPOS, 2023). Dessa forma, a materialidade coletada no sítio arqueológico e relacionada ao cotidiano da população escravizada, alforriada e seus descendentes assume de imediato dois aspectos de grande importância narrativa para o contexto colonial. Primeiramente, a diversidade de decorações presente no material arqueológico serve de comparação com a cultura material de outros contextos no Brasil, auxiliando na compreensão dos símbolos acionados e reproduzidos pela população escravizada em diferentes partes do território.

Fragmentos de cerâmica. Sítio arqueológico Casa da Chica da Silva, Diamantina/ MG. 2024. Paulo Andrade Campos.

Em segundo, apresenta dados do cotidiano da população negra do período colonial que fujam das narrativas do sofrimento, mostrando uma parte do aspecto cultural e do cotidiano dessas pessoas, neste caso, em específico, a fabricação de peças, a produção e consumo de alimentos, tendo em mente que tais momentos envolviam diversas vivências tal como o compartilhamento de histórias, de energias e de saberes. O material arqueológico encontra-se atualmente na reserva técnica do Laboratório de Arqueologia e Estudos da Paisagem (LAEP) localizada em Diamantina, na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM).

Fragmento de cerâmica. Sítio arqueológico Casa da Chica da Silva, Diamantina/ MG. 2024. Paulo Andrade Campos.

Parte do material arqueológico proveniente do quintal do casarão de Chica da Silva foi alvo do trabalho de Thaísa Macedo (2013) que analisou fragmentos de louça e de Ana Lima (2017) responsável por estudar os cachimbos de barro, atualmente novas pesquisas têm sido realizadas a partir dos vestígios arqueológicos buscando compreender a relação entre a cerâmica afro-brasileira, alimentação e religiosidade.


Rua Vieira Couto | 268 | Centro | Diamantina, MG | 39100-000 | Brasil |


REFERÊNCIAS:


CAMPOS, Paulo Andrade. 2023. Sítio Arqueológico Olhos d’água: um estudo comparativo dos lugares e objetos referentes à população Negra de Felício dos Santos e Senador Modestino Gonçalves, séculos XVIII e XIX. (Dissertação). Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), Diamantina.


FURTADO, J. F. Família e relações de gênero no Tejuco: o caso de Chica da Silva. Varia História, Belo Horizonte, v. 24, p. 33-74, 2001.


FURTADO, Júnia Ferreira. Chica da Silva e o contratador de diamantes: o outro lado do mito. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.


LIMA, Ana Rosa Silva. OS SENTIMENTOS MARCADOS NO BARRO: Análise Estilística Dos Cachimbos Afro-Brasileiros Em Diamantina, MG. Trabalho de Conclusão de Curso. (Graduação). Faculdade Interdisciplinar em Humanidades (FIH), Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, 2017.


MACEDO, Thaisa. Modo de vida e cultura em Diamantina do XIX – história e arqueologia: um estudo de caso dos conjuntos artefatuais da escavação do quintal da casa da Chica, Diamantina, MG. Monografia de conclusão de Curso apresentado na Faculdade Interdisciplinar de Humanidade, UFVJM, 2013

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