Verbete:  Confraria de São Gonçalo Garcia

Por: Danilo José Zioni Ferretti e Giovanna Guimarães Silva


HISTÓRICO:


A atual Venerável e Episcopal Confraria de São Gonçalo Garcia foi fundada em São João del Rei, como parte da ordem franciscana, em torno a 1760. Admitia homens e mulheres brancos, mas congregava majoritariamente pardos, grupo que era impedido de participar na ordem terceira franciscana, à época restrita a pessoas brancas. Ela evidenciava o aumento do número de descendentes de africanos mestiços nascidos no Brasil, os pardos e crioulos, e daqueles que conseguiam a liberdade, os forros, que buscavam uma congregação própria, distinguindo-se da irmandade do Rosário, cada vez mais voltada aos africanos e escravizados. A congregação de São João del Rei, já em 1759 devia estar ativa, pois recebeu terras, possuindo então sede na capela das Mercês. Em 1761 recebeu o título de Arquiconfraria do Cordão de São Francisco. Em 1848, foi elevada a “Episcopal Confraria de São Gonçalo Garcia”, recebendo novo Estatuto, em 1851. A construção de sua própria capela, a atual igreja de São Gonçalo Garcia, sede da confraria até hoje, só começou em 1772, levando mais de um século para ser concluída, em 1903. Quanto às devoções, destacava-se a de São Gonçalo Garcia, um religioso franciscano de Baçaim, na Índia, filho de português e indiana, crucificado e alanceado no Japão em 1597, junto com outros 25 missionários. Beatificado em 1627, teve no século XVIII sua devoção difundida no Brasil, como forma de congregar mulatos e pardos, setores em plena ascensão econômica e social. Em São João del Rei, no século XVIII, a irmandade comemorava seu santo patrono, e realizou, até 1886, a Procissão dos Mártires, em cortejo que incluía uma variedade de insígnias e personagens incomuns. Em setembro festejavam Nossa Senhora do Amparo, pois eram proibidos de cultuar Nossa Senhora da Conceição, exclusiva aos brancos da ordem terceira franciscana.

Confrades de São Gonçalo Garcia carregam o andor de Nossa Senhora do Amparo, devoção secular da confraria. São João del Rei, 18 de agosto de 2024. Foto: Danilo Ferretti.

Para além do aspecto devocional, a irmandade também foi lugar de reivindicações sociais. Aproveitando o ambiente criado pela legislação pombalina de afrouxamento da segregação de cor e restrição da escravidão na parte europeia do Império português (1773), os confrades da São Gonçalo Garcia sanjoanense enviaram, em 1786, à rainha D Maria I de Portugal, um requerimento solicitando serem autorizados a comprarem alforrias de escravizados, independente da aprovação de seus senhores. Também denunciavam os abusos de violências dos senhores sobre os cativos: nos açoites e prisões que impunham; no concubinato e prostituição a que obrigavam as mulheres; na anulação de alforrias cujas parcelas já haviam sido pagas; no abandono na velhice. Recusados pela autoridade real, os pedidos são importantes por indicarem a crescente mobilização de pardos para reivindicação de direitos e luta contra as segregações que eram impostas aos não brancos em geral. Assim, a irmandade sanjoanense de São Gonçalo traz a lembrança de uma das primeiras iniciativas coletivas de questionamento da ordem escravista (ainda que não pedissem sua abolição) e do racismo realizadas na América Portuguesa por iniciativa dos próprios negros.

Confrade de São Gonçalo Garcia na Festa a Nossa Senhora
do Amparo, 18-08-2024. Foto: Danilo Ferretti.

Sob o nome de Venerável e Episcopal Confraria de São Gonçalo Garcia, ela continua ativa até a atualidade, sediada na mesma capela de São Gonçalo Garcia começada no século XVIII, com sua singela decoração interna barroca. Juntamente a devoções inseridas a partir do final do século XIX, como a Santa Joana D´Arc, cultuada pelos militares, mantém as devoções mais antigas, que remetem ao catolicismo negro colonial, como as de Nossa Senhora do Amparo, cuja festa é em agosto, e São Gonçalo Garcia, festejado em fevereiro.

Igreja da Confraria de São Gonçalo Garcia, em São João del Rei, 18 de agosto de 2024. Foto: Danilo Ferretti.

REFERÊNCIAS:


GAIO SOBRINHO, Antonio. Sanjoanidades; um passeio histórico e turístico por São João del Rei. São João del Rei: A voz do Lenheiro, 1996.


SILVEIRA, Marco Antônio. “Acumulando forças: luta pela alforria e demandas políticas na Capitania de Minas Gerais (1750-1808)”, Revista de História, São Paulo, n° 158, 1° semestre de 2008. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/19077 Acesso em 10/08/2024.


VIANA, Larissa. Gonçalo Garcia: “identidades e relações raciais na história de um santo pardo na América Portuguesa”. COTTIAS, Myriam e MATTOS, Hebe (edit) Escravidão e subjetividades, OpenEdition Press, 2016, Disponível em: https://books.openedition.org/oep/786 Acesso em 10/10/2024.


PASSARELI, Ulisses. “São Gonçalo Garcia. Tradições das Vertentes”. Disponível em: https://folclorevertentes.blogspot.com/2013/11/sao-goncalo-garcia.html. Acesso dia 01/08/2024.

Acessar o conteúdo