Verbete: Fazenda Gualaxo

Por: Marileide  Lázara Cassoli


HISTÓRICO:


Nos anos iniciais do século XX, a disputa jurídica pela posse do terreno denominado “Catita”, situado em terras da Fazenda Gualaxo, trouxe à cena os testemunhos de alguns homens e mulheres que nela nasceram, viveram, trabalharam e formaram suas famílias na condição de escravizados: Levy Pinto Nery e seu irmão Eloy, Dionísio de Tal, Nicolau Fausto da Silva, Appolinário Antônio da Silva, Secunda Pulcheria de Souza, Crescêncio de Tal . Suas falas indicavam os limites de territórios da Gualaxo em relação às fazendas vizinhas, descreviam cultivos, criações, engenhos – de cana e de socar minérios –, olaria, lenheiro, atividades e construções que garantiam a exploração e a posse da terra por seu proprietário, Torquatro José Lopes Camello. Revelaram ainda, que no terreno Catita, Levy Pinto Nery, agora liberto, dividia o cultivo de uma roça com Nicolau Fausto da Silva, também liberto, com a autorização de Lopes Camello, transparecendo, assim, a prática de concessão de terras por parte dos ex-senhores aos libertos – por arrendamento ou licença – para cultivo. O relato de Appolinário Antônio da Silva lança luzes sobre essa prática ao narrar sua recusa, em seu nome e no de seus companheiros, às roçadas oferecidas pelo capitão Torquatro, por localizarem-se distantes de suas casas e por ser o terreno [Catita] constantemente atacado por porcos do mato que colocavam em risco as plantações. Contudo, não teve qualquer receio em propor a concessão, ou mesmo o arrendamento, de terras mais próximas às sua moradas.

Fonte: AHCSM, processo de demarcação das fazendas Gualaxo, Mirandinha, Cruz das Almas e São José. 1902/1911. Documentação do Fórum de Mariana. Fora de catálogo.

As referências a esse mesmo benefício, a autorização para o cultivo de terras, constam dos relatos de diferentes testemunhas do processo: Prudêncio Antônio Cardoso declarou que o liberto Belizário, ex-escravo do doutor Francisco Carlos Pereira Macedo, afirmou-lhe que o referido doutor havia consentido a Francisco Silva que fizesse roça nos terrenos da Fazenda Cruz das Almas; ainda nas terras da Gualaxo, Lucio Ferreira de Aguiar, José Bonifácio, Sebastião Anastácio, João Ferreira, Leonardo da Silva e Luiz da Silva roçaram e colheram os frutos das mesmas nos matos da Lavra de São João. Os casos acima relatados, fragmentos de liberdade, nos falam sobre as diferentes experiências de liberdade e dos obstáculos a serem enfrentados para que homens e mulheres libertos tivessem acesso à terra e ao trabalho no pós-abolição. Hoje, a Fazenda Gualaxo compõe o circuito de fazendas da Estrada Real e pela sua importância histórica foi cadastrada, em 2004, como sítio arqueológico. Nela viveram seis gerações da família de Levy Pinto Nery e de Laura, com quem era casado; quatro gerações da família constituída por Delfina e Luiz, africanos, entre outras. Os vestígios de vida por eles deixados, pequenos retratos das conexões entre o passado escravista e as vivências da liberdade, são os maiores legados da Fazenda Gualaxo.

Fonte: APM, Secretaria de Agricultura (SA) 319. Comarca de Mariana e Ouro Preto. Planta dos imóveis denominados “Gualaxo” e “Taveira”. Município Comarca de Mariana e Ouro Preto, 1901 a 2000.

CITAÇÃO:


Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana, processo de demarcação das fazendas Gualaxo, Mirandinha, Cruz das Almas e São José. 1902/1911. Documentação do Fórum de Mariana. Fora de catálogo.


COMO CHEGAR:


Rodovia MG 129 | Sítio Arqueológico Fazenda Gualaxo – Unnamed Road, Mariana – MG, 35420-000 – Furquim, Mariana – MG | , MG | 35420-000 | Brasil |


CONDIÇÕES DE VISITAÇÃO:


Trata-se de uma área particular. A autorização para visitação depende do proprietário


REFERÊNCIAS:


CASSOLI, Marileide Lázara. A construção da liberdade: vivências da escravidão e do pós-abolição. Mariana, 1871-1920. Jundiaí: Paco, 2017.


LIBBY, Douglas Cole. Transformação e trabalho em uma economia escravista: Minas Gerais no século XIX. São Paulo: Brasiliense, 1988.


SLENES, Robert W. Na senzala uma flor: esperanças e recordações na formação da família escrava, Brasil, sudeste, século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.


TEIXEIRA, Heloísa Maria. Reprodução e Famílias Escravas em Mariana 1850-1888. Dissertação (Mestrado em História Econômica) – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001.

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