Por: Daniele Neves e Livia Monteiro
HISTÓRICO:
Localizada no campo das Vertentes, a cidade de Piedade do Rio Grande, que hoje tem pouco mais de 4 mil habitantes, teve origem no século XVIII, a partir de atividades voltadas para o abastecimento das áreas mineradoras e da Corte. Desde a sua origem até os dias atuais a cidade mantém o mesmo eixo econômico, isto é, uma cidade majoritariamente agrária.
Tal como todo o Brasil, Piedade do Rio Grande foi construída a partir da exploração da mão-de-obra escravizada e, também tal como em todo o Brasil, os escravizados, libertos, nascidos livres e seus descendentes, imprimiram elementos relacionados as suas crenças, costumes e valores na economia, nas relações de trabalho, no cotidiano, nas festas e nos costumes da cidade.
No último final de semana do mês de maio, as ruas de Piedade do Rio Grande são tomadas pela população negra, que celebra sua fé e resistência através dos cantos e encantos da Congada e Moçambique de Piedade do Rio Grande. É como se, ao tomarem as ruas, os congadeiros e moçambiqueiros nos dissessem “estamos aqui, resistindo há séculos, a todas as mazelas que esta sociedade nos impõe”.
A resistência, e veja bem, quando falamos de resistência aqui, falamos sobre as estratégias de sobrevivência que têm que ser adotadas cotidianamente pela população negra diante a cada forma de manifestação do racismo na nossa sociedade, também pode ser percebida no cotidiano da comunidade do Cruzeiro do Rio Grande.
Além da festa da Congada e Moçambique de Piedade do Rio Grande, a comunidade do Cruzeiro do Rio Grande é outro espaço no qual a presença negra se fez presente ao longo do tempo em Piedade do Rio Grande. A comunidade teve origem no século XIX, a partir da fixação de egressos do cativeiro e seus descendentes. É o local de origem da griot Maria Cecília de Jesus, ou Datila. A história da comunidade do Cruzeiro do Rio Grande é marcada pela escassez de recursos econômicos desde a sua origem até os dias atuais. Ao mesmo tempo, olhar a trajetória da comunidade nos dá um panorama da capacidade da população negra de resistir ao racismo cotidiano.
Olhar para a presença negra em Piedade do Rio Grande, através da festa da Congada e Moçambique de Piedade do Rio Grande ou da Comunidade do Cruzeiro do Rio Grande é ver na prática como a população negra combinou de não morrer, mesmo que a sociedade tenha combinado de nos matar.

Piedade do Rio Grande é, portanto, um espaço que nos permite mapear e entender a trajetória da população negra em Minas Gerais ao longo do tempo. Mas, a escolha da cidade também perpassa pela trajetória das pesquisadoras Lívia Nascimento Monteiro e Daniele Neves. As duas pesquisadoras são naturais de Piedade do Rio Grande e tem a sua trajetória de vida e de pesquisa cruzada com a população negra da cidade. Este cruzamento trouxe a inquietação para ambas sobre a necessidade de entender a população negra da cidade. Esta inquietação se desdobrou em pesquisas que por sua vez colocaram Piedade do Rio Grande no mapa da presença negra em Minas Gerais.
REFERÊNCIAS:
– Construção da avenida rio branco: FILHO, ANTÔNIO FERREIRA
CARVALHO, Maria Selma de; CARVALHO, José Murilo de; CARVALHO, Ana Emília de (org.). Histórias que a Cecília contava. 2. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011.
KANDRATOVICH, José Itabyr Carvalho. Uma família mineira: retratos sem retoque. 1. ed. Belo Horizonte, MG: Fino Traço, 2014.
MONTEIRO, Lívia Nascimento. “A Congada é do mundo e da raça negra”: memórias da escravidão e da liberdade nas festas de Congada e Moçambique de Piedade do Rio Grande-MG (1873-2015). 2016. 265 f. Tese (Doutorado em História) – Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Departamento de História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2016.
NEVES, Daniele Michael Trindade. TERIA SIDO UMA TRANSIÇÃO SEM TRAUMAS ? Uma análise da trajetória de Datila: uma mulher negra em busca de estratégias de inserção social no pós – abolição em Piedade do Rio Grande – MG. Dissertação. Instituto de Ciências Humanas, Universidade Federal de Juiz de Fora, 2024.
RIBEIRO, Devanir de Oliveira. Canavial: uma fazenda mineira. 1. ed. Piedade do Rio Grande, Minas Gerais: DME Editoral, 2022.