Por: Silvia Brügger e Bruna Inês Carelli Mendes
HISTÓRICO:
O Grupo de Inculturação Afrodescendentes Raízes da Terra foi fundado em 1996, no bairro São Geraldo, em São João del Rei, com intuito de valorizar a cultura negra, celebrar as tradições afro-brasileiras e proporcionar estratégias de pertencimento e orgulho racial. Surgiu a partir da relação das lideranças fundadoras – Vicentina Neves Teixeira, Efigênia Vicentina Neves (Dona Ginica) e Nivaldo Neves – com o MOSCAB (Movimento Sanjoanense de Cultura Afro-Brasileira), primeiro grupo de consciência negra da cidade, que se reunia no bairro do Tejuco. Dona Vicentina, coordenadora do Raízes, nasceu em 1950 em uma família católica e integrada aos hábitos comunitários do bairro São Geraldo. Conviveu desde pequena com manifestações da cultura negra, chegando a ser coroada Rainha Conga aos 17 anos, mas também enfrentou os dilemas provocados pelo racismo, que a levaram a se afastar dessas tradições por um tempo. Na década de 1980, sua participação em encontros das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), as trocas com padres salesianos ligados à Teologia da Libertação e com Padre Raimundo, negro, congadeiro e integrante da Pastoral Afro-Brasileira, lhe permitiram um processo de conscientização e letramento racial. Foi neste contexto que passou, acompanhada por alguns vizinhos, a se deslocar sistematicamente do bairro São Geraldo para o Tejuco com objetivo de participar das discussões do MOSCAB. Vale destacar que o final dos anos 1980 marca um momento importante de fortalecimento do Movimento Negro no Brasil e de destaque da efeméride do centenário da abolição, refletido, por exemplo, no tema da Campanha da Fraternidade de 1988: “Ouvi o clamor deste povo… Negro!”. Como resultado dessas discussões, em 1994, foi fundada, no bairro São Geraldo, a Associação de Congada Santa Efigênia, presidida pelo Sr. Nivaldo Neves, e, em 1996, o então chamado Grupo de Consciência Negra Raízes da Terra, contando com cerca de 50 participantes. Em suas reuniões, os integrantes do Raízes estudavam sobre “liturgia afro”, faziam leituras bíblicas, conversavam sobre espiritualidade, antepassados, cantavam cantos de louvor a santos negros e trocavam saberes sobre ervas ligadas à medicina popular, mas também aos saberes das religiões de matrizes africanas. Organizaram um grupo de dança e percussão dedicado aos ritmos negros, como o maracatu. Em parcerias desenvolvidas com professores e alunos da Universidade Federal de São João del Rei, foram diversos tipos de cursos, oficinas e movimentos realizados no bairro São Geraldo e na cidade de São João del Rei. O grupo organizava três festas anuais: em maio, a da Abolição; em agosto, a de Nossa Senhora do Rosário e, em novembro, a de Zumbi. Marcantes, entre as atividades realizadas pelo grupo, foram as chamadas missas inculturadas ou missas afro. Nelas, na liturgia católica, eram inseridos elementos da cultura afro: as músicas eram entoadas pelo grupo, evocando questões ligadas à situação do negro e acompanhadas de instrumentos percussivos como atabaques e abês; os integrantes do Raízes usavam roupas coloridas e com estampas étnicas; um pano de chitão colorido era colocado próximo ao altar e sobre ele, durante o ofertório, eram depositadas broas, pipocas, rapaduras e frutas. Esses alimentos ao final da celebração eram distribuídos entre os participantes. Essas missas provocaram incômodos e reações racistas, mas foram importantes instrumentos de luta e afirmação negra na cidade e na região. O grupo participou de celebrações em cidades, como Piedade do Rio Grande, Coroas, Barroso e Barbacena. Em São João del Rei, o Raízes foi responsável por onze anos, a partir de 1999, pela organização da missa inculturada, realizada nas sextas-feiras anteriores ao domingo da Festa do Divino, na Paróquia do Matosinhos.
CITAÇÃO:
“Ata no. 001 No dia vinte e seis de fevereiro de mil novecentos e noventa e seis, reuniu-se em Assembleia Geral um grupo de pessoas de consciência negra, sem fins lucrativos, bem como eleger sua coordenação e aprovar seu regimento interno. Este grupo é apoiado Pela Associação de Congado Santa Efigênia e recebeu o nome de Raízes da Terra. Este terá como finalidade promover danças e eventos culturais. Com a concordância de todos o grupo passará a vigorar da seguinte forma: sua duração será por prazo indeterminado; sua coordenação foi eleita para o período de dois anos. Com a presença do Diretor Presidente da Associação de Congado Santa Efigênia e demais membros da diretoria ficou assim definido: 1ª. Coordenadora – Vicentina Neves Teixeira 2º Coordenador – Valdomiro José de Paula Relações Públicas – Valdomiro José de Paula Secretária – Regina Lopes Nada mais havendo a ser tratado, eu Regina Lopes lavrei a presente ata que depois de lida e aprovada, será assinada por todos os presentes.” (Ata de Fundação do Grupo Raízes da Terra, apresentada no documentário “Consciência Negra”, 9º episódio da URBE – Olhares sobre São João, UFSJ, disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=W0KpOppi8UM&fbclid=IwAR3NBi3er03orGHwc0RzcDjc7kbdKZWbMYN5LRvC8HyMXEbBkhLkM6wqVx
REFERÊNCIAS:
ASSIS, Simone. “‘A Festa do Divino Espírito Santo é coisa de raiz, é cultura’: batuques na paróquia do Matosinhos-São João del Rei/MG”. Dissertação (mestrado- Programa de Pós-graduação em História- UFSJ), São João del Rei: 2021.
GRUPO DE INCULTURAÇÃO RAÍZES DA TERRA. Sobre o grupo. São João del-Rei: São João del-Rei Transparente. Disponível em: https://saojoaodelreitransparente.com.br/organizations/view/88#:~:text=O%20Grupo%20de%20Incultura%C3%A7%C3%A3o%20Ra%C3%ADzes%20da%20Terra%20surgiu,sobre%20a%20cultura%20negra%20em%20S%C3%A3o%20Jo%C3%A3o%20del-Rei
Miranda, S. F., Silva, M. V. (2009). Configurações/Contradições do Processo Identitário de Afro-Descendentes: Um Estudo de Caso. Revista, Pesquisas e Práticas Psicossociais 4 (1), São João del Rei.
Documentário “Consciência Negra”, 9º episódio da URBE – Olhares sobre São João, UFSJ, disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=W0KpOppi8UM&fbclid=IwAR3NBi3er03orGHwc0RzcDjc7kbdKZWbMYN5LRvC8HyMXEbBkhLkM6wqVx
Silva, M. V., D. L. O. Paiva, e S. F. Miranda. “Memória E Identidade Afrodescendente: Considerações a Partir De Um Projeto De extensão universitária”. Memorandum: Memória E História Em Psicologia, vol. 9, outubro de 2005, p. 28-41, https://periodicos.ufmg.br/index.php/memorandum/article/view/6744.