Verbete: Orquestra Lira Sanjoanense

Por: Danilo José Zioni Ferretti e Bruna Inês Carelli Mendes


HISTÓRICO:


A orquestra Lira Sanjoanense surgiu durante o século XVIII, porém a data precisa é desconhecida. A Lira ainda é uma orquestra de grande influência musical para a sociedade de São João del Rei. Desde o início do século XVIII, havia dois grupos musicais concorrentes formados para servirem nas festividades religiosas e cívicas da cidade. A Lira de hoje identifica sua origem naquele dirigido pelo mestre José Joaquim de Miranda, com o nome de “Companhia de Música”, com contratos desde 1776 com a irmandade do Rosário. Em 1845, adotou o nome de “Philarmonica Paulina” e só em 1882 ela recebeu o nome definitivo de “Sociedade Musical Lira S. Joanense”. Na memória popular, a Lira é conhecida por ser formada majoritariamente por músicos negros, sendo apelidada de orquestra “rapadura”.

João Feliciano de Souza, presidente da Lira de 1907 a 1924. Foto: Danilo Ferretti.
Francisco Martiniano de Paula Miranda, presidente de 1846 a 1854, na série de quadro de antigos presidentes da Lira Sanjoanense, em sua sede. Foto: Danilo Ferretti

Tal nome possivelmente serviu como forma de marcar e estimular a diferença com os membros do grupo rival, a Orquestra Ribeiro Bastos, designados de “coalhadas”. Tal diferença deve ser relativizada, pois é possível enxergar dentro de ambas a vivência de uma significativa coletividade negra. A diferença estaria na proporção de sujeitos negros em cada uma e nas irmandades e festividades a que serviam, com a Lira atuando mais junto a congregações de pretos e mestiços (Rosário, Mercês, Boa Morte) que sua concorrente. As duas orquestras formaram músicos e maestros que se tornaram referências para a música regional, até nacional. O principal exemplo da Lira é o caso do Padre José Maria Xavier (1819-1887).

O monumento ao Padre José Maria Xavier, em frente a Igreja do Rosário, em julho de 2020. Foto: Danilo Ferretti.

Nascido em São João del Rei, era pardo, neto de uma preta forra, tal condição nunca sendo à época mencionada, indício de que teria passado a ser socialmente reconhecido como branco. Se tornou vigário, membro de quase todas as irmandades da cidade (inclusive as racialmente segregadas), do Partido Conservador e autor de músicas sacras de destaque em São João del Rei, com repercussão em outras localidades de Minas e Rio de Janeiro. De origem pobre, com o seu talento e capacidade musical soube usar os valores e normas sociais a seu favor e conseguiu obter prestígio e status reservados às classes dominantes. Ele é considerado uma figura de grande apreço para a comunidade sanjoanense, tendo sua memória cultuada até hoje, principalmente pelos músicos. É o único negro nascido na cidade a ter um monumento em praça pública, inaugurado com discurso em latim, em 1915, não havendo nele, porém, qualquer referência à condição étnico-racial do homenageado.

Músicos da Lira em sua sede, 25/11/2023. Foto: Danilo Ferretti.
A Lira tocando na Encomendação das Almas, 04/03/2022. Foto: Danilo Ferretti.

A Lira Sanjoanense não só contribuiu para a afirmação da cultural musical que confere destaque à cidade, mas também foi um espaço de ascensão social e mobilidade principalmente para músicos negros, como atestam as trajetórias, dentre outros, de Marcos de Castilho, Hermenegildo José de Souza, Francisco Camilo Vitor de Assis, João Feliciano de Souza, Irênio Batista Lopes, seu filho Luiz Batista Lopes.

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REFERÊNCIAS:


ALMEIDA, Marcelo Crisafuli Nascimento. “Folguedos do Povo’ e ‘Partida familiar’: a música e suas manifestações populares em São João del Rei (1870-1920)”. Dissertação, Mestrado em História, Programa de Pós-Graduação em História, UFSJ. São João del Rei: 2010.


AMASTALDEN, J.C.F. As Orquestras comunitárias de São João del Rei – MG: Identidade e afirmação social através da música. (2017). Cadernos CERU, 28 (1), 132-147.


COELHO, Eduardo Lara. Coalhadas e rapaduras: estratégias de inserção social e sociabilidade de músicos negros (São João del, séc XIX), Resende Costa-MG, AMIRCO, 2014.


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